26 de julho de 2024
GeralZ1

Sérgio Fleury Moraes, editor do Debate, morre aos 64 anos




O jornalista Sérgio Fleury Moraes faleceu aos 64 anos, no início da tarde desta sexta-feira (23) em Jaú. Ele estava internado no Hospital Amaral Carvalho. Sérgio havia descoberto recentemente um câncer agressivo. O jornalista deixa três filhos: Caio e André Hunnicutt Fleury Moraes; e Sérgio Fleury Moraes Júnior -, além dos irmãos Cibele, César, Neide e Neusa.

O velório será na Câmara Municipal, a partir das 8h de sábado (24). O sepultamento ocorre às 16h, no Cemitério Municipal. Em nota nas redes sociais o Prefeito Diego Singolani destacou a jornada inspiradora de Sérgio e decretou luto oficial de 3 dias no município.

Nascido dia 25 de outubro de 1959, em Santo Anastácio, cidade do interior paulista, Sérgio Fleury Moraes foi o fundador do Jornal Debate, ícone do jornalismo santa-cruzense que ao longo de 46 anos vem conquistando leitores fieis em Santa Cruz e região, além de formar uma legião de jornalistas que, após passarem por sua redação, desbravaram o mercado Brasil afora.

HISTÓRIA
Por causa do trabalho do pai, o professor aposentado Celso Fleury Moraes, Sérgio e os irmãos viajaram muito durante a infância, para só aos quatro anos de idade se estabelecerem em Santa Cruz do Rio Pardo.

Desde muito jovem Sérgio já demonstrava curiosidade e talento para a área da comunicação. Aos cinco anos de idade fazia e vendia para a própria família pequenas histórias em quadrinhos. Quando aprendeu a escrever e já na escola, deu origem ao primeiro jornal de sua vida, “O Furinho”, uma edição escolar que ele mesmo elaborava, mimiografava na escola em que estudava e vendia de casa em casa na pequena cidade de Santa Cruz.

O jornal infantil, que o acompanhou dos oito aos dezesseis anos, deu lugar ao jornal “Debate”. A empresa foi instalada na garagem da família, Sérgio conseguiu arrendar uma máquina de impressão de um extinto jornal partidário, “O Galo”. Após a morte do proprietário da máquina de impressão, as coisas começaram a mudar. Devido ao incômodo causado aos governantes alinhados ao partido ditatorial Arena, Sérgio foi impedido de usar a máquina e assim, não pode mais continuar com as edições do “Debate”.

Seu pai sempre desejou que o filho fosse engenheiro e, após o fechamento do jornal, acreditou que Sérgio deixaria o sonho de jornalista e que iria para São Paulo começar a faculdade. No entanto, ao chegando lá, o jovem passava os dias procurando máquinas de impressão no catálogo de classificados ao invés de se inscrever para a vaga da universidade.

Um dia, quando estava prestes a desistir, Sérgio sonhou com uma máquina de impressão amarela. Ao acordar, decidiu checar mais uma vez os classificados, como sempre fazia. Para sua surpresa, encontrou a máquina do sonho sendo anunciada a um preço tão extraordinário que nem ele mesmo acreditou.

Com a máquina, Sérgio decide voltar para Santa Cruz, ao fim dos nove meses e retoma as atividades do jornal, agora por conta própria e sob a aceitação dos pais, que viram que ali residia algo que ia além da teimosia adolescente.

Com o nascimento do “Debate”, a cidade viu pela primeira vez um jornal que exercia uma função fora das relações públicas, cobrindo e divulgando escândalos de bastidores e criticando todos aqueles que ocupavam o gabinete principal da prefeitura e as cadeiras da câmara de vereadores.

Em um dos casos mais emblemáticos envolvendo abuso de autoridade e censura, Sérgio denunciou um juiz da cidade, que tinha aluguel da casa e do telefone pagos pela prefeitura de Santa Cruz do Rio Pardo, numa época em que alugar uma linha de telefone era muito custoso e que nem o corpo de bombeiros da cidade conseguia uma linha telefônica.

O Tribunal de Contas soube do caso através do “Debate” e fez com que a prefeitura parasse com o pagamento do aluguel da casa e do telefone do juiz. Depois do acontecido, o juiz abriu um processo contra o jornalista e começou a persegui-lo.

Em 1992, na época das eleições para prefeito de Santa Cruz do Rio Pardo, um dos candidatos estava sendo acusado de ter mais dívidas do que o orçamento do município. Sérgio decidiu apurar a informação e descobriu que as dívidas eram reais. Depois de publicar a notícia, o juiz proibiu o “Debate” de publicar informações sobre os candidatos.

Sérgio interpretou aquilo como censura, e como a censura foi proibida pela constituição de 1988, continuou a investigar o caso e a publicar no jornal. A ação do jornalista foi considerada desobediência. O processo correu, os anos passaram e em 1996 ele foi preso durante 19 dias na sala da carceragem da delegacia e os outros 6 meses em prisão domiciliar, por ter desobedecido o juIz 4 anos antes.

Mas nem isso o impediu de continuar com o jornal, ele foi proibido de trabalhar durante os 19 dias que ficou na carceragem, mas saiu escondido na carroceria da caminhonete do pai para trabalhar de madrugada e conseguir terminar a edição do jornal. Muitos advogados foram envolvidos no caso, mas apenas depois da publicação do artigo “Macondo é pertinho”, de Clóvis Rossi, na página 2 do jornal Folha de S. Paulo, é que o caso ganhou visibilidade e Sérgio conseguiu a liberdade.

O ocorrido teve repercussão nacional e fomentou o debate sobre a Lei de Imprensa, que estava em vigor desde 1967, no ápice da ditadura, e que não condiz com o período democrático. Sérgio Fleury foi convidado para o programa do Jô, para dar entrevistas para diversos canais de TV, escreveu artigos para a Folha e O Globo, onde teve meia página do primeiro caderno para expor sua opinião.

A Lei da Imprensa foi derrubada em 2009 e Fleury foi uma das fagulhas que transformou o assunto em pauta. Sérgio Fleury Moraes foi o retrato do jornalismo do centrooeste paulista, sempre movido pelo sonho e pela vontade de investigar o poder público. Mesmo acumulando inúmeros processos ao longo da carreira, o jornalista nunca se intimidou. Sua coragem impressa no Jornal Diário dos domingos vai deixar saudade. Fica a lição de jornalismo sério e imparcial.

Com informações a reportagem “O Jornal Sou Eu” escrita por Danilo Mendes, Mariana Pires e Michele Custódio para a Coleção Projeto Memórias VOLUME I. Jornalistas: Memórias Midiáticas de Bauru produzido pela Unesp em 2021.

DEBATE
O jornal que revolucionou a imprensa de toda a região começou a circular nas ruas de Santa Cruz do Rio Pardo no dia 17 de setembro de 1977. O Debate sempre foi pioneiro no exercício do jornalismo profissional de Santa Cruz do Rio Pardo e região. É verdade que o jornal revolucionou a imprensa a nível micro e macrorregional. Seu projeto ousado e original foi o que lhe garantiu a independência ao longo de mais de 46 anos.

A partir de 1979, o Debate teve entre seus colaboradores alguns expoentes da política brasileira, como Fernando Henrique Cardoso, Fernando Morais, Flávio Bierrenbach, José Aparecido e outros.

Em 1979, o então sociólogo Fernando Henrique — que foi colaborador do jornal durante 10 anos — foi palestrante em Santa Cruz num evento promovido pelo Debate. Naquela ocasião, o então suplente do senador Franco Montoro foi lançado como futuro candidato à presidência da República, fato que se consolidaria nos anos 90, quando FHC deixou de assinar coluna no jornal.

O jornal sobreviveu ao regime militar, se engajou na campanha das “diretas já” e se consolidou com o advento da democracia. Resistiu à concorrência de publicações financiadas por partidos políticos e grupos econômicos e, a partir de 1996, circulou durante um período como o único jornal de Santa Cruz do Rio Pardo.

O Debate foi pioneiro na adoção de cores em suas páginas e no lançamento de suplementos especiais. Se em 1978 o jornal já ousava lançar um suplemento cultural, na década seguinte houve vários lançamentos, como o “Debate Rural” e suplementos infantis. Em 1995 surgiu o Caderno D, um suplemento destinado a difundir a cultura e o lazer na cidade e região.

O primeiro site do jornal chegou à internet em 2000, quando o Debate fez uma parceria com o UOL.

Com um jornalismo historicamente reconhecido, o Debate ganhou repercussão nacional entre o fim dos anos 1990 e a primeira década dos anos 2000, quando o diretor Sérgio Fleury Moraes chegou a ir ao programa de Jô Soares para falar sobre polêmicas envolvendo seu veículo de comunicação.

Foi também em Santa Cruz do Rio Pardo que aconteceu o pontapé inicial para que a antiga Lei de Imprensa, herança da ditadura militar, fosse revogada. O fato aconteceu em 2009, e o convidado de honra para entregar o prêmio “Liberdade de Imprensa” em Brasília foi ninguém menos do que o próprio diretor do Debate.

Ao longo dos anos, o Debate ousou no lançamento de suplementos especiais, como “Cultural”, “Rural”, “Debatinho” e o “Caderno D”, que surgiu em 1995. Foi, ainda, o primeiro veículo jornalístico da região a implantar um site na internet, a partir de 1999, em parceria com o UOL.

O jornal também revelou talentos. Se em suas primeiras edições os desenhos e charges eram feitos pelo próprio diretor, nas décadas seguintes artistas como Carlinhos Müller, Jayme Cunha e Evandro Rodrigues se destacaram nas páginas do Debate.

Com informações do
arquivo Jornal Debate

One thought on “Sérgio Fleury Moraes, editor do Debate, morre aos 64 anos

  • Oldack Róder

    Foi no Debate que por vários anos me aventurei a algumas publicações ganhando o espaço de duas colunas em cada edição: “Coisas da Política” e “Canteiro de Versos”. Serei sempre grato ao Sérgio Fleury pela oportunidade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *